setembro 13, 2009

Quem vai pagar pelo roubo da infância dos meninos da OAF em Salvador?

Infância roubada

Em meio às notícias perecíveis que compõem o mosaico colorido dos jornais expostos nas bancas de revista, uma salta aos meus olhos e gruda em mim ao longo do dia. Sei que vai ser difícil digeri-la completamente. Pelo menos pelos próximos dias. Trata-se da decisão da Justiça em relação à suspeita de abusos sexuais supostamente registrados no interior de conceituada instituição de atendimento a crianças e adolescentes, aqui em Salvador. Os autores seriam um ex-gestor e um alto funcionário da organização; as vítimas, meninos ali abrigados.

De acordo com o noticiário, a juíza encarregada de apreciar a denúncia do Ministério Público contra os dois suspeitos (um dos quais, padre da Igreja Católica e ex-secretário de estado) fundamenta sua decisão na fria legislação vigente: não foi possível caracterizar o crime de exploração sexual porque essa figura jurídica inexistia no Estatuto da Criança e do Adolescente em 1998, quando os abusos supostamente teriam ocorrido. Demonstrando total isenção, a magistrada ressalva que o fato de não poder enquadrar os denunciados não significa que eles sejam inocentes.

Fico com um nó na garganta e muitas inquietações na cabeça. E agora? O que vai acontecer? Em sendo verdadeiras as acusações das vítimas, quem vai ser responsabilizado pelos crimes? Tudo vai ficar por isso mesmo? Quantas outras crianças ainda poderão vir a ser violentadas por esses desequilibrados? Por quanto tempo mais eles continuarão ostentando a máscara de guardiões da moralidade, quando não passam de uma ameaça à sociedade?

Lembro de como fiquei mexida, semanas atrás, ao ler os depoimentos das supostas vítimas, hoje homens feitos. Todos guardam sequelas. Um deles não consegue se aprumar na vida, pula de um para outro subemprego. Outro enveredou pelo caminho da criminalidade. Um terceiro, homossexual, carrega a orientação sexual como um peso, uma espécie de efeito colateral da exploração sexual sofrida na infância.

Penso agora em como deve ter sido penoso aos ex-internos abrirem a própria intimidade, pôr o dedo na ferida nunca cicatrizada e deixar que os monstros saíssem do armário. Imagino quão doloroso deve ter sido para aqueles rapazes revelarem o preço que precisavam pagar por um prato reforçado de comida, por uma roupa mais arrumadinha ou por um tênis a que pudessem chamar de seu…

Faço essas reflexões porque estou irresignada. Não pela decisão da juíza – ela apenas cumpriu a lei – mas por constatar quão distante ainda estamos da proximidade entre justiça e Justiça. Olhando para as notícias que saltam do jornal, não me furto à pergunta que teima em não calar: quem vai pagar pelo roubo da infância daqueles meninos? Do A queima Roupa

Padre e ex-diretor da OAF são acusados de pedofilia   Brasil contra a Pedofilia